מזל טוב

Subiu no autocarro em LLeida, às 05h00 de uma tarde de Inverno. Vestia com simplicidade elegância. Era alto, magro e usava óculos de armação leve. Sentou-se no banco à minha frente. Meia hora depois, o seu telefone tocou. Uma tal de Sandra chamava-lhe e ele, falando num castelhano com sotaque, agradeceu a chamada e disse-lhe que se ia embora para a França, que lá tinha amigos e um possível emprego. Desligou, não sem antes dar o seu número francês para a rapariga do outro lado da chamada. Pensei: deve ser brasileiro, libanês ou turco. Não era. Na primeira parada, desceu e fumou um cigarro. Voltou ao autocarro e quando este já partia, tirou uma sandes da bolsa e começou a comer. Mordia como quem morde a raiz das coisas. Pensei: de todos nós aqui, ele é talvez o único que vai, nós de alguma maneira voltamos para as nossas casas, este homem não, está indo, em frente, com a sua mala, sozinho em direcção a França. Adormeci. Tempo depois o seu telefone tocou novamente, e desta vez ele falou na sua língua, e me pareceu hebraico, mas eu podia estar enganado porque ouvi poucas vezes essa língua. Foi breve. Pensei ainda que poderia ser turco. O autocarro sai da Catalunha e entra como uma flecha no coração de Aragão, onde o dia se apaga no aço inoxidável desse Inverno. Penso no meu amigo desconhecido que está sentado à frente e fantasio que deve ter fugido de Israel, que é educado o suficiente para perceber que naquela sociedade não há espaço para a sua sensibilidade. Penso em lhe atribuir um nome, já que nunca nos conheceremos e chamo-lhe Isaac, aquele que nasceu duas vezes, e secretamente desejo-lhe sorte na França, que encontre gente da mesma talha que o seu coração. O autocarro já está em Navarra e a noite é fria e pode ser cruel para os que estão sozinhos, mesmo que de passagem. Antes de chegarmos a Pamplona, ele apanha no seu telemóvel e faz uma chamada onde a primeira palavra que pronuncia é “Assalam’ Aleikun”. Dou voltas com o meu pensamento ao perceber um israelense a chamar um amigo muçulmano para depois falar numa terceira língua. Para mim é toda uma lição e definitivamente, o meu Isaac procura e sabe achar o seu lugar nesse mundo.
Saí do autocarro sem olhar para trás, sem vê-lo uma última vez, somente podia ouvi-lo dizer, num castelhano com sotaque, que era amigo de fulano, e que passava por aqui em direcção a França...
Na saída disse de mim para comigo: “boa sorte, querido Isaac”

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