Tammuz

Os historiadores discutem, ainda hoje, se eram de tijolos ou pedras, as bases que sustentavam os preciosos jardins mandados construir por Nabucodonosor II naquela Babilónia que via, reflectida no Eufrates, o esplendor da sua glória. A pouca documentação existente serve para ocultar a história viva que se faz no silêncio, no dia-a-dia. Nada sabem os historiadores da morte do jovem Binah que não falava o acádio, e era chamado de “o louco” pelos capatazes do rei; à noite, depois dos trabalhos forçados, ele chorava a falta da sua Jerusalém natal. Nada sabem sobre Tammuz, o jardineiro do rei que sonhava, na sua cabeça acordada, com a mescla de cores, formas e aromas das plantas que surpreenderiam não somente a vaidade do rei, mas maravilhariam a posteridade. Alguma coisa sabem do sangue, das guerras de invasão e dos fraticídios. Mas nunca saberão da amizade que existia entre o jardineiro Tammuz e o escravo Binah, e de como a morte deste plantou uma silenciosa pedra no húmido coração do jardineiro.

Eles não sabem, mas eu sei. E quando te vejo aqui por casa a mover as plantas de um lado para outro, com a tua delicadeza e os teus olhos atentos, é de Tammuz que me recordo – e me reconforta tanto saber-te assim, ao alcance das minhas mãos, eu agora livre, no conturbado século XXI.


Comentários

Sun Iou Miou disse…
Pois, a história não se escreve sobre corações vivos ou plantas (que são, afinal, coração de corpo inteiro) mas do sangue derramado por estes nos campos de batalha.

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