lletraferit



...Sobirà lletraferit, li és atribuïda la cantiga d’amigo més antiga que es coneix.
Gran Encicloplèdia Catalana.


Lisboa, Outono de 2005.

Simplesmente não conseguia terminar a minha investigação. E ao invés de trabalhar com rigor naquilo que me pedia o estudo, a minha pulsão fugia para a poesia. Escrevia-te convulsivamente poemas – eu era um Etna em erupção. E em baladas fingidas, simulava a atmosfera perdida dos anos 80, me afogava em vodca barata e dançava como um ídolo pagão. Por vezes amanhecia na história particular de algum desconhecido, conversando numa língua estrangeira. E da cama, a minha mirada podia alcançar a outra margem do rio ou um telhado que envelhecia. Não me importava dizer adeus a um estranho. Vestia-me, estava na minha cidade e caminhava pelas ruas a perguntar-me “porque não na tua história?"

Passavam os dias e os textos me ardiam pelo corpo como tatuagens vivas, amarrotados nos fundos dos bolsos. “Digo-te uma coisa, se eu o encontrar lhe entrego os poemas de uma vez por todas”, confessava à Madalena. Teria sido um alívio, mas não foi assim. E por anos arrastei da pele para a gaveta, da gaveta para caixa e da caixa para a memória, cinco ou seis poemas curtos que me raptaram ao estudo, sequestraram-me o entendimento e fizeram com que me esquecesse de mim. Uma maneira particular de tornar-se livre.

Hoje reli alguns daqueles poemas imperfeitos, e não são de todo maus. Têm ainda força e, curiosamente, o tempo lhes acrescentou dignidade onde antes eu via covardia. Por sorte nunca cruzámos os nossos caminhos naquela época em que eu era um edifício ocupado pela poesia que fiz para ti.

- Ler é reviver, e talvez o destinatário de toda aquela epifania tenha sido eu mesmo, quem resgatei mergulhado do fundo dos teus olhos.



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