Baruch de Espinoza
“Depois da excomunhão,
Baruch de Espinoza encontrou trabalho polindo lentes para lunetas e
microscópios, e dizem que ganhou grande reputação neste ofício...”
Era moreno entre
brancos, e sendo judeu era quase gentio entre os seus. Os pais tinham nascido
em Portugal mas ele não, ele pertencia à cidade dos canais, à água e ao porto
que lhe abria ao mundo. Nas noites de lua cheia, eu que nunca estive em
Amsterdão, sou capaz de perceber os passos tranquilos de Baruch pela
Visserplein fazendo ecoar, na sua voz mas íntima, a frase “Se eles não entendem
nada, paciência.”
Há tardes, quando o rio
Arga subitamente muda a sua cor, me surpreendo a pensar nas obstinadas mãos de
Espinoza, que mergulhadas no seu ofício de iluminar o opaco, vão aos poucos
abrindo caminho para si próprio buscando, ou tecendo, uma imagem mais coerente
da realidade.
Uma vez vi, publicada
num jornal português, uma fotografia das mãos do meu amigo Victor Hugo em acção no seu ofício.
Como era Lisboa, e o sol explodia lá fora, pensei: “Se Baruch fosse vivo,
trabalharia em algo tão nobre como salvar a cópia de um filme da corrupção provocada pelo tempo.”
Este meu querido amigo
decidiu, e este verbo poucos podem usar, deixar o trabalho que tanto gosta, a
cidade que tanto ama para, obstinadamente, seguir adiante. Queria estar com ele
agora, dar-lhe um abraço e sair, embriagados, pelas ruas de Lisboa gritando “Adeus,
Lisboa... que te vamos levar para outros sítios.”
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